Dia do Escritor: David Bango, coordenador editorial da RTM, fala sobre a importância dos livros
Por Lucas Meloni
25/07/2022, às 10h08 | Conteúdo atualizado em 25/07/2022, às 10h17
Quando o assunto é livros, é comum que boa parte das pessoas tenha seus favoritos. Contudo, você já parou para analisar o que torna um livro bom? Neste Dia do Escritor (celebrado no Brasil em 25 de julho), a Rádio Trans Mundial traz uma entrevista com David Bango, novo coordenador editorial da RTM Editora, para abordar alguns pontos que ajudam a definir um bom livro. Uma coisa importante a se ter em mente é que nem sempre um livro bem escrito basta para ser classificado como bom. Leia os principais trechos desta entrevista a seguir.
RTM - Conte um pouco da sua experiência com livros. Quando começou a lê-los e o que te levou para o segmento literário?
David Bango - A minha experiência com livros começou na infância. Eu nasci na época da guerra civil em Angola. Por ser um período de muita tensão, o processo de aprendizagem (nas escolas) era constantemente interrompido. Por isso, a minha mãe teve a iniciativa de ensinar-nos (eu e meu irmão) a ler através da Bíblia. Ela costumava contar as historinhas da Bíblia, e, nos mandava repetir as sílabas, as palavras, as frases e os parágrafos. Foi desse modo que eu aprendi, não apenas a ler, mas também a amar os livros. Não tinha brinquedo, videogame, celular e nem mesmo uma televisão em casa. Mas tinha uma mãe criativa com uma forma cativante de contar as histórias, de modo que as cenas passavam na minha mente como um filme. Suas ilustrações e detalhes eram incríveis a ponto de nos fazer viajar na imaginação. Essa experiência me fez perceber que é inevitável ler um livro e não imaginar. Os livros criam mundos cheios de detalhes incríveis. Com 9 anos eu já tinha lido todos os livros da Bíblia. Na verdade, era o único livro que tínhamos em casa. E sem sombra de dúvida, isso me impulsionou ao segmento literário. Para terminar, quero lembrar que os cristãos são o povo do livro. Temos uma biblioteca do mais alto saber com 66 livros. Por isso, todos os cristãos devem desenvolver, não apenas o hábito, mas também, o prazer pela leitura.
Como é possível identificar um livro bem escrito?
Certa vez, C.S. Lewis perguntou ao seu secretário: “qual dos meus livros você mais gostou?” Respondeu o secretário, dizendo: seu melhor livro (aquele bem escrito) é... Lewis replicou em seguida dizendo: não lhe perguntei sobre o meu melhor livro, ou o mais bem escrito, mas sim, o que você mais gostou. De acordo com Lewis, existe uma diferença entre melhor livro e o livro bem escrito. Nem sempre o livro bem escrito é o que mais gostamos. Por isso, existem alguns critérios para identificar um livro bem escrito. Eu particularmente procuro saber, em primeiro lugar, o assunto principal do livro e as referências bibliográficas usadas. Depois, o tipo de abordagem e seu público-alvo.
Como identificar um bom escritor?
Um bom escritor é um bom comunicador, é criativo. Deve ter a habilidade de explorar diferentes formas de desenvolver uma ideia. É alguém que comunica vida na sua escrita. Deve ter bases nas suas argumentações. Dever ser, também, um bom pesquisador.
O que é fundamental para um escritor?
Em minha opinião, um bom escritor deve ser um bom contador de histórias. Deve saber falar para pessoas de todas as idades e épocas.
Quais são seus escritores favoritos e por quê?
São vários, e creio que vou ser injusto com alguns deles porque não caberia mencionar todos aqui. O primeiro é sem sombra de dúvida Agostinho de Hipona: 1º Deus é o principal tema da sua escrita; 2º Não esconde sua vulnerabilidade e nisso ele consegue cativar com muita facilidade os seus leitores ao se identificarem com a sua humanidade. 3º Ele se expõe para Deus e impulsiona seu leitor a fazer o mesmo. 4º Sua poesia ou escrita poética é, a meu ver, atemporal.
Meu segundo autor favorito é CS Lewis: 1° Ele não é um teólogo profissional; ele mesmo reconhecia isso. Sua especialidade era literatura medieval (por isso, foi apelidado de o Dinossauro de Oxford). Mesmo assim, ele fez teologia pública com maestria. 2º Admiro-o, também, pela sua habilidade de escrever vários gêneros literários, como: poesias; autobiografias; novelas, ou obras de ficção; fantasias teológicas (cartas de um diabo a seu aprendiz e o grande divórcio); crônicas; crítica literária (o paraíso perdido); correspondências (cartas) etc.
Meu terceiro autor favorito é Roger Scruton: 1º Um de seus principais temas é a arte. E eu sou apaixonado por artes. 2º Para ele, a arte existe porque Deus existe. Afinal, Deus é o primeiro artista. Esse tema me fascina porque gosto de pensar que tudo que Deus criou e faz até os dias de hoje é marcado pela sua criatividade. A criação do mundo, a história do seu povo, a vinda de Cristo, a história da salvação, a igreja, a cruz, a redenção, a justificação, a glorificação etc. Todos os temas mais importantes da Bíblia são marcados pela beleza e pela criatividade de Deus.
Qualquer pessoa pode exercitar a escrita? Se sim, como?
Sim, qualquer pessoa pode exercitar a escrita. Acho que um dos primeiros elementos para que isso seja possível é: criar o hábito de leitura. Geralmente quem não gosta de ler, não sabe escrever. Essa lógica não falha. Bons escritores são bons leitores. Em segundo lugar, é necessário ser um bom observador de detalhes. Desperte o encanto pelas coisas simples. Bons escritores são bons observadores, mas não meramente de coisas grandiosas, mas de coisas simples do cotidiano. Digo isso porque quando lemos livros, não lemos apenas as letras. Mas também somos conduzidos a ver; a imaginar. Um escritor incapaz de ver detalhes será incapaz de produzir detalhes em sua obra. Em terceiro lugar, é necessário ter disciplina. A escrita requer disciplina e organização. Pois, a disciplina e a organização o ajudarão a criar o hábito tanto da leitura como da escrita. E não para por aí. Lembramos ainda que a escrita é um trabalho racional. Concordo quando se afirma que 90% da escrita vêm do trabalho duro. Apenas 10% vêm da inspiração.
Cite seus três últimos livros de cabeceira e faça um breve resumo de cada um
Meus três últimos livros de cabeceira são:
1º - Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis (é um livro de psicologia cristã. A obra propõe reflexões profundas sobre o coração dos discípulos de Cristo, suas limitações e desejos secretos do coração);
2º - O Vale da Visão (é uma coletânea de orações dos puritanos). Ele livro mostra que Deus é o principal tema da oração, e não as nossas necessidades;
3º - As Confissões, de Santo Agostinho (é um livro clássico e autobiográfico escrito não apenas para o leitor, mas especialmente para Deus. Trata-se de alguém que, depois de já ter uma boa reputação, arriscou revelar os segredos mais obscuros do seu coração).