Especialista fala sobre cuidados e proteção aos menores no Dia de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
Por Lucas Meloni
18/05/2023, às 13h50 | Conteúdo atualizado em 18/05/2023, às 14h00
Hoje (18) é o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e de Adolescentes. Para promover uma reflexão e discussão sobre a importância deste assunto, a RTM Brasil ouviu Abner Morillas, pastor da Primeira Igreja Batista de Santo André, psicólogo clínico, mestre em Ciências Médicas, doutor em Psiquiatria, especializado em Aconselhamento, Capacitação no Enfrentamento da Violência Doméstica, pesquisador, professor e autor do livro “Abuso Sexual Infantil – Prevenção, Identificação e Intervenção” (Lura Editora). Ele destaca a urgência em se perceber eventuais casos de abuso, como deve ser a ação dos pais / responsáveis e qual o papel da igreja no apoio à vítima / família. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Como identificar possíveis casos de abusos a crianças e adolescentes?
A simples suposição de que um filho ou uma filha possa ter sido vítima de um abuso ou estupro sexual é estarrecedora. Primeiramente, porque se considera o equilíbrio emocional e a saúde física da criança e por todas as possíveis consequências que certamente acarretarão à vida da vítima. Os sintomas podem variar imensamente entre uma criança e outra. Embora haja muitos sintomas comuns, há também muitas diferenças. Nenhum desses sintomas indicadores pode ser considerado definidor de abuso. Cada um deles pode ser característico do desenvolvimento normal ou de outros fatores psicológicos. Não se pode aplicar a abordagem “conferir lista de supermercado” às manifestações de abuso ou para se presumir que a presença de um sintoma necessariamente indique que a criança sofreu abuso sexual.
Alguns dos sinais comportamentais de abuso sexual infantil podem se manifestar por meio de:
a) Brincadeira sexualizada
b) Temas sexuais em desenhos
c) Histórias e jogos
d) Regressão, sente-se insegura, retoma comportamentos de quando tinha menos idade, como choro excessivo, chupar dedos, urinar na cama, dependência; distúrbios de conduta, como pôr fogo em objetos, ataques histéricos
e) Comportamento autodestrutivo e perigosos como, fugir, lutar, machucar a si mesma, tentativas de suicídio
f) Promiscuidade
g) Presentes e dinheiros sem explicação ou motivo.
h) Qualquer interesse ou conhecimento súbitos ou não usuais sobre questões sexuais. Isto inclui a expressão afeto para crianças e adultos de modo inapropriado para uma criança daquela idade. Dois outros sinais são quando uma criança desenvolve brincadeiras sexuais persistentes com amigos, brinquedos ou animais ou quando começa a masturbar-se
i) Mudanças extremas, súbitas e inexplicadas no comportamento infantil ou adolescente, como no apetite (anorexias, bulimias), mudanças na escola, mudanças de humor etc
j) Pesadelos, alterações no sono, medo do escuro, suores, gritos ou agitação noturna
k) Mau desempenho escolar
l) Torna-se isolada e retraída, passa por mudanças de personalidade
m) Torna-se cheia de segredos
n) Recebe presentes e dinheiro
o) Medo de uma certa pessoa ou um sentimento generalizado de desagrado ao ser deixada sozinha em algum lugar ou com alguém
p) Uma série de dores e problemas físicos tais como erupções na pele, vômitos e dores de cabeça sem qualquer explicação médica
q) Gravidez precoce
r) Poucas relações com colegas, companheiros
s) Não quer mudar de roupa na frente de outras pessoas
Entre os sinais físicos apresentados em consequência do abuso sexual infantil, pode-se pontuar:
a) Roupas rasgadas ou manchadas de sangue
b) Hematomas, hemorragia vaginal ou retal, dor ao urinar ou cólicas intestinais, genitais com prurido ou inchados ou secreção vaginal, evidência de infecções genitais (inclusive AIDS), sêmen na boca, genitais, roupa
c) Traumas físicos nas regiões oral, genital e retal
d) Traumas físicos nos seios e nas nádegas
e) Traumas físicos na coxa e no baixo ventre
f) Danos visíveis em razão da inserção de objetos estranhos nos orifícios genital, retal e uretral
g) Coceira, inflamação e infecção nas áreas oral, genital e retal
h) Presença de sêmen
i) Odores estranhos na área vaginal
j) Doenças sexualmente transmissíveis
k) Gravidez
l) Dores e doenças psicossomáticas
m) Desconforto em relação ao corpo.
Quais são os principais efeitos do abuso na vida social, aprendizado e psicológico das vítimas?
A literatura identifica seis categorias distintas de efeitos resultantes do abuso:
a) efeitos emocionais;
b) efeitos interpessoais;
c) efeitos comportamentais;
d) efeitos cognitivos;
e) efeitos físicos;
f) efeitos sexuais.
Todas essas categorias fornecem pistas importantes para a identificação do abuso. É importante que os pais, os professores e a comunidade tenham consciência desses sinais, pois as crianças tendem a mostrar mais do que contar para os adultos que alguma coisa as perturba; além disso, não rara as vezes, a criança pode estar sofrendo ameaças por parte do abusador e/ou sentir-se culpada e envergonhada e, desta forma, não revelar o abuso.
Há uma estimativa de quantas crianças e adolescentes são vítimas de abuso por ano no Brasil?
No Brasil é ainda muito precária a disponibilização de dados para medir o tamanho real do fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes. Seja porque há uma falta de integração dos órgãos responsáveis e de padronização dos dados coletados ou até porque, mesmo com estes números de notificações e denúncias, ainda há um grande problema a ser enfrentado: a subnotificação. Estima-se que apenas entre 7% e 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes sejam, de fato, notificados às autoridades. Portanto, os números de casos coletados revelam somente a ponta do iceberg. Pesquisas mais recentes feitas por entidades que trabalham em parceria com o Ministério da Justiça indicam que 45.994 crianças foram estupradas de 2020 a 2021. O que perfaz 126 estupros de vulneráveis por dia, cerca de 5 estupros de vulnerável hora, 1 a cada 12 minutos. Isso coloca o Brasil como o 2º país com o maior índice de abuso do mundo.
Relação da vítima com o autor:
Homem (95,4%)
Conhecido da vítima (86,7%),
Pais ou padrastos (40,8%)
Irmãos, primos ou outro parente (37,2%)
Avós (8,7%)
Fale um pouco do seu livro “Abuso Sexual Infantil” e o que baseou esta pesquisa
Este livro nasceu da resposta ao clamor de muitos adolescente e jovens que atendi em meu consultório, casas de passagem, e no gabinete pastoral. Percebi que de cada 5 adolescentes acolhidos pelo menos 3 deles sofreram algum tipo de abuso. Durante 10 anos ouvi inúmeros casos e os registrei preservando a identidade dos pacientes atendidos. Era nítido para mim que havia um choro, um clamor reverberando por parte desses jovens. E um dia após várias leituras do livro de Gênesis uma parte do texto saltou das páginas da Bíblia:
Gênesis 21:17-19
17 Mas Deus ouviu o choro do menino e, do céu, o anjo de Deus chamou Hagar: “Que foi, Hagar? Não tenha medo! Deus ouviu o menino chorar, dali onde ele está. 18 Levante-o e anime-o, pois farei dos descendentes dele uma grande nação”.
19 Então Deus abriu os olhos de Hagar, e ela viu um poço cheio de água. Sem demora, encheu a vasilha de água e deu para o menino beber.
Da mesma forma que Deus ouviu choro do menino Ismael, Ele abriu os meus ouvidos para ouvir o choro de muitos meninos e meninas espalhados em nosso país. Desta forma, o livro faz parte da minha militância contra o abuso e a exploração da criança e adolescente.
Qual o papel da igreja no acolhimento a vítimas de abuso? Em quais aspectos a igreja pode melhorar?
Eu creio que a igreja foi chamada a exercer uma função terapêutica no mundo, fomos chamados para sermos sinal de um Deus que cuida. Fomos chamados a exercer uma vocação terapêutica no mundo, fomos chamados para sermos sinal de um Deus que cuida amorosamente da alma, fomos chamados para dizer que existe um Pai que nos ama. E isto não tem a ver com desempenho, com posses, com o dinheiro, isto tem a ver com atribuição da dignidade que o PAI dá a nós, e ao chamado que temos para sermos luz e sal deste mundo. A igreja, quando possui uma teologia saudável, pode e deve propiciar um “lugar afetivo” seguro de acolhimento, onde a vítima de abuso possa se sentir ouvida, vista e aceita incondicionalmente. Para que o processo de cura aconteça é imperativo que isso aconteça. Provérbios 31: 8-9 nos aponta: “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”
Portanto, entendo que é nossa tarefa devolver a "voz” ou a “fala" que foi roubada, sequestrada da pessoa abusada. Esse quesito é base para que o abusado possa reestruturar-se emocional, afetiva, intelectual e relacionalmente. Com a verbalização do indizível, a relação de ajuda é fortalecida e, na interatividade do relacionamento Conselheiro-Aconselhado, a confiança em se relacionar com o outro além do aconselhador, pode ser restabelecida. Os maiores traumas do ser humano acontecem nas relações interpessoais e as maiores curas também acontecem nessas relações. Portanto, o acompanhamento e a recuperação da voz, da fala silenciada e da confiança em se relacionar novamente, o abusado caminhará, para a restauração da energia que lhe foi subtraída e a percepção de que pode assumir o controle e a responsabilidade pela própria vida poderá abrir-lhes novas possibilidades de crescimento.
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